terça-feira, 23 de agosto de 2011

A atratividade da carreira docente





Como anunciado na introdução, na terceira fase desta pesquisa os resultados preliminares foram submetidos à apreciação de especialistas para a realização de um painel realizado em novembro de 2009.

O encontro teve por objetivo problematizar algumas hipóteses exploratórias decorrentes dos dados e sinalizar encaminhamentos que possam colaborar com os estudos na área, bem como sugerir propostas para as políticas públicas em relação à atratividade da carreira docente.

As considerações que seguem foram inspiradas nos resultados da pesquisa e na discussão decorrente do painel, agregando, também, experiên­cias e conhecimentos dos participantes. Deve-se ressaltar que muitas reflexões elaboradas no decorrer do encontro extrapolam os resultados da pesquisa.

Principais achados

Os objetivos traçados nesta pesquisa foram o de investigar os aspectos que os jovens destacam para justificar a atração ou não pela carreira docente, bem como o de analisar suas percepções sobre o "ser professor", buscando evidências que possam colaborar com as políticas de formação de professores no Brasil. Levando em conta a complexidade inerente à problemática, algumas questões, que ora retomamos, tornam-se relevantes: Quais são os fatores relacionados à atratividade das carreiras profissionais? E especificamente da carreira docente? Que fatores interferem para que a docência tenha deixado de ser uma opção profissional interessante para o jovem ingressar no mercado de trabalho?

Primeiramente, cabe reiterar que, na elaboração dos instrumentos e no processo de análise dos dados, houve a preocupação de considerar que o estudo da atratividade da carreira docente requer ponderar os fatores ligados à escolha profissional, que se dá num processo permeado por dilemas, conflitos e contradições, envolvendo não apenas as características pessoais, mas também o contexto histórico e o ambiente sociocultural em que o jovem vive.

Os estudantes que participaram da pesquisa têm um projeto de futuro que inclui o ingresso, em algum momento, na universidade, e a maioria demonstra vontade de trabalhar e estudar. Expuseram os fatores extrínsecos e intrínsecos que interferem no seu projeto profissional e falaram da relação entre desejo e realidade, levando em conta não só os seus próprios interesses e características pessoais, mas também suas circunstâncias de vida. Enquanto os alunos das escolas particulares estão certos de que cursarão o ensino superior, para os alunos da escola pública essa é uma possibilidade que vem acompanhada de limitações, já que, prevendo as dificuldades de seu ingresso nas universidades públicas, colocam as instituições privadas como sua única opção. Vimos, ainda, que a escolha das carreiras também tende a diferenciar os alunos das escolas públicas e privadas. Assim, quando o jovem analisa suas prioridades, a escolha profissional é limitada por uma realidade que se impõe e que envolve desde fatores econômicos até expectativas familiares nem sempre compatíveis com seus desejos.

Esses aspectos de ordem individual e contextual são essenciais para compreender a atratividade da carreira docente na percepção do jovem. Ou seja, a opção, ou não, pelo Magistério deve ser analisada considerando fatores intrínsecos e extrínsecos.

Nos resultados, as falas dos estudantes em relação à docência e ao "ser professor" foram permeadas de contradições e contrastes. Os sentidos que atribuem à imagem da profissão retratam sempre duas perspectivas de análise. Ao mesmo tempo em que conferem à docência um lugar de relevância na formação do aluno e em que reconhecem a função social do professor, afirmam que se trata de uma profissão desvalorizada (social e financeiramente) e que o professor é desrespeitado pelos alunos, pela sociedade e pelo governo.

O mesmo contraste é identificado quando fazem referência ao trabalho docente. Para os alunos, é um trabalho nobre, gratificante, permeado de sentimentos de prazer e satisfação; entretanto, é recorrente nas falas os comentários sobre as dificuldades dessa atividade. Trata-se de um trabalho pesado, que requer paciência, muitas vezes frustrante e que vai além da escola. E, ainda, que consome boa dose de energia afetiva decorrente da natureza interpessoal das relações professor/alunos.

Para os estudantes que participaram da pesquisa, o trabalho do professor é considerado, portanto, com limitações e dificuldades. E diante da possibilidade de um comprometimento exclusivo com essa atividade profissional, há a preocupação quanto à disparidade entre exigência e retorno, ou seja, os jovens falam do medo de trabalharem muito e não serem devidamente reconhecidos. Mesmo valorizando o professor e seu trabalho, os alunos que participaram dos grupos de discussão mostram-se pouco desejosos de ocupar suas vidas futuras com essa atividade: ela parece árdua demais se contraposta às suas ambições, necessidades e desejos.

O sentido que os jovens atribuem ao "ser professor" está incorporado ao contexto social, político e cultural mais amplo em que vivem e, também, ao próprio processo de sua socialização escolar. A sociedade brasileira constrói uma imagem contraditória da profissão: ao mesmo tempo em que ela é louvável, o professor é desvalorizado, social e profissionalmente, e, muitas vezes, culpabilizado pelo fracasso do sistema escolar.

Cabe lembrar que, nas últimas quatro décadas, vários aspectos têm contribuído para a construção da imagem que a sociedade tem hoje da docência e é possível pôr em destaque alguns deles.

O primeiro diz respeito à expansão quantitativa da escola, visando a atender ao processo de democratização de acesso à educação. Esse fato trouxe uma série de implicações, pois os professores não estavam preparados para trabalhar num processo de expansão da escola, quando, também houve o agravamento da inadequação e o aligeiramento da formação de professores, ampliando o despreparo desses profissionais para atuar no novo contexto.

O segundo aspecto refere-se à precarização da profissão, o que envolve condições conjunturais, como salários, níveis de participação, carreira, clima de trabalho, políticas públicas, dentre outros, que se agravaram com o processo de ampliação de oferta de vagas nas escolas.

Um terceiro fator diz respeito às mudanças de natureza econômica, política, social e cultural que a sociedade vive, as quais agem como elementos transformadores do trabalho docente e contribuem para o surgimento de novos problemas e desafios no cotidiano das escolas, por exemplo, mudanças nas famílias, nos meios de comunicação de massa e em outras instituições de socialização; novas demandas para as formas de produção e o mercado de trabalho; evolução das tecnologias de comunicação e informação; origem social e características sociais dos alunos; massificação da escolarização, mudanças nas relações entre as gerações e mudanças na relação com o conhecimento.

O quarto aspecto que merece destaque em relação à imagem da docência articula-se a certas noções preconcebidas de que para ensinar não é preciso ter formação específica. Apesar de os estudantes da pesquisa reconhecerem a complexidade e a exigência da carreira, a docência não é considerada por eles como uma profissão que detém um saber específico que a caracterize, que precisa ser aprendido e que a diferencie de outras profissões. Em relação às séries iniciais é ainda maior a percepção de que não é preciso preparo; basta apenas o cuidado.

Por que ainda prevalece a ideia de que qualquer um pode ser professor? O que tem favorecido o fato de a atividade docente ser exercida sem revelar os saberes que lhe são inerentes?

Gauthier (1998) explica que, embora o ensino seja uma atividade universal, que se realiza desde a Antiguidade, e que a formalização dos saberes necessários à realização das tarefas que lhe são próprias é uma das condições fundamentais a toda atividade profissional, ainda se sabe muito pouco sobre os conhecimentos que estão na base da profissão docente.

Quando se pensa na profissão docente, como bem explica Roldão (1998, pág. 81), há um quadro histórico e uma representação social que guarda certa ambiguidade, uma vez que o exercício da profissão docente "[...] tem aproximado, de forma variável e em contextos diferentes, ora a um estatuto mais próximo do funcionário, ora do técnico ou, pelo contrário, socialmente idealizado em termos mais próximos do artista ou do missionário". É difícil dizer em que medida esses fatores interferem na percepção que a sociedade tem da profissão docente, mas, de qualquer modo, é frequente a referência à "vocação" e ao "jeito" para ser professor, o que não costuma ocorrer da mesma forma a respeito de outras profissões (Roldão, 1998).

Essas considerações nos fazem questionar: O que permite identificar uma profissão? Quais os aspectos que nos aproximam e/ou nos afastam do que constitui a especificidade de ser professor?

Roldão (2005) ajuda a compreender essas questões ao discutir o que distingue, sociologicamente, uma profissão de outras atividades. A autora recorre ao campo teórico da sociologia das profissões para identificar um conjunto não uniforme de elementos tidos como descritores de profissionalidade. São eles: o saber específico indispensável ao desenvolvimento da atividade e sua natureza; o reconhecimento social da especificidade da função associada à atividade; o poder de decisão sobre a ação desenvolvida e autonomia em seu exercício; o pertencimento a um corpo coletivo que partilha, regula e defende o saber necessário, o exercício da função e o acesso a ela.

A função definidora do "ser professor" em articulação com o saber que se julga necessário para exercer essa profissão é explicada por Roldão (2005) como a mediação do professor entre o saber conteudístico e o fazer aprender o aprendente. A função de ensinar, de fazer o outro aprender, incide sobre a especificidade do trabalho docente: saber transformar o conhecimento do conteúdo em ensino, ou seja, saber fazer com que o conhecimento seja aprendido e apreendido por meio da ação docente.

Essa especificidade reforça o estatuto de profissionalidade e confirma que o trabalho docente requer um conjunto de saberes que não são aprendidos espontaneamente.

Em relação ao terceiro e quarto descritores, Roldão destaca a atual escassez de poder e limitada intervenção sobre a organização do trabalho docente, o que, segundo a autora, dificulta "a constituição de coletivos autônomos dos agentes de ensino, enquanto grupos profissionais que se auto-organizam e defendem o seu saber próprio" (pág. 111). A autora adverte que as dimensões de poder e controle dos professores sobre a ação docente, quando restritas ao próprio grupo e ao "poder" de que o professor é detentor dentro da sala de aula, "constitui uma das limitações sérias ao estabelecimento social do seu estatuto como profissionais plenos" (pág. 111).

Roldão também ressalta que escassos são os mecanismos de controle que vêm do interior da classe. As limitações do poder dos professores sobre sua ação e os escassos mecanismos de regulação sobre ela são decorrentes, segundo Roldão, do "individualismo sacralizado" do exercício docente, que contribui para o esvaziamento de um corpo coletivo entendido como comunidade de pares que assegure o saber próprio do grupo, o controle sustentado sobre a ação profissional, as condições de acesso etc. Isso quer dizer que a qualidade de um profissional pleno só pode ser construída e regulada pelos próprios profissionais, embora, a qualidade desse profissional seja necessariamente analisada e avaliada pela sociedade.

Como não são poucos os indicadores de não profissionalidade construídos historicamente, e como o significado profissional da ação docente está associado à credibilidade do trabalho, torna-se cada vez mais necessário "apelar à necessidade de compreender que estas formas de estar na docência são as que existem, e questionar por que é que existem, como se construíram e que consequências têm tido - e continuam a ter - na não afirmação da docência como profissão plena" (Roldão, 2005, págs. 112-113).

A imagem que os estudantes pesquisados têm sobre a docência, por exemplo, aproxima-se muito da ideia de dom, de uma atividade exercida de forma sacrificada. Para compreendê-la, pode-se aventar a hipótese de que os alunos se apoiam na percepção negativa das condições de trabalho do professor; eles percebem as dificuldades dele, sua desvalorização social e financeira, e se perguntam: "O que justifica ele estar na escola? O dom, a vocação".

Nesse quesito também não se pode desconsiderar a dimensão do gênero, especialmente quando se analisa a profissão docente. Sabe-se que a carreira do Magistério está muito associada às mulheres e ao cuidado, visto como não produtor de riqueza. A literatura aponta que características desse tipo são consideradas qualidades naturais, inatas, aprendidas no espaço do privado e da reprodução e linearmente, associadas ao sexo feminino. Neste sentido, muitos dos atributos relacionados à docência não são valorizados como profissão. Como afirma Unbehaum (2009, pág. 19), porém, "o ato de cuidar, fundamental na relação com a criança, precisa ser desessencializado e deve ser visto como uma atividade que envolve compromisso moral de dedicação ao outro, independentemente do sexo de quem o executa".

Além dos fatores extrínsecos que contribuem para a baixa atratividade da carreira docente - mencionados pela literatura disponível e pelos estudantes desta investigação -, há uma série de outros aspectos que influenciam o processo de escolha profissional e a opção, ou não, pela docência.

Um bom exemplo é o processo de individualização contemporâneo, que se reflete nas escolhas profissionais dos jovens, que tomam para si toda a responsabilidade para fazer uma escolha "acertada", conseguir um bom emprego e ter sucesso profissional. Mais ainda, a construção social de uma carreira de sucesso lhes transmite a ideia de que esse percurso deve ser totalmente individualizado (Tartuce, 2007). Ora, se a profissão docente exige, em si mesma, a inclusão do outro, a opção por essa carreira pode ser desestimulada por esse processo de individualização. Seu sucesso depende do outro, dos alunos.

Ao mesmo tempo, os jovens pesquisados têm a percepção clara de que o trabalho do professor, justamente por incluir o outro e depender desse outro para se realizar, é extremamente complexo. Essa compreensão vai ao encontro de vários estudos que ressaltam o fato de o trabalho docente depender da relação com os alunos e de se realizar a partir dela. Adicionalmente, aparece na representação dos alunos pesquisados, em função de suas próprias vivências em sala de aula, uma imagem muito negativa desse "outro", que, eventualmente, seria seu aluno no futuro, caso optassem pela docência.

Também, não se pode desconsiderar a imagem que os professores constroem de si mesmos - em palavras ou em atos - e que acaba influenciando seus alunos. Sendo assim, o desenvolvimento das práticas pedagógicas na escola também pode induzir, ou não, o desejo pela docência.

Os dados do grupo de discussão indicam que as experiências negativas afastam os alunos da escolha pela docência. Quando, porém, essa imagem é positiva e colabora para uma experiência mais positiva na escola, há talvez, a possibilidade de que o aluno pense em se tornar professor, mesmo que desista dessa opção por diversas outras razões, como já foram mencionadas.

Embora não se possa generalizar, a vivência positiva na escola foi relatada mais fortemente nas escolas particulares. Os estudantes, de modo geral, acreditam que os docentes da escola privada são mais motivados e mais bem remunerados. Já os jovens das escolas públicas idealizam o professor da escola particular. A valorização excessiva da escola privada merece ser melhor investigada para identificar se, nesse contexto, há características específicas que - ultrapassando as questões de infraestrutura - favorecem o exercício da docência e podem, eventualmente, ser expandidas a toda a rede de ensino.

Independentemente do tipo de escola que frequentam, a grande maioria dos alunos ouvidos nesta pesquisa mostrou-se consciente dos problemas educacionais no país ao perceber a importância do professor e sua desvalorização social.

Também estão cientes de que, se a profissão docente tem se mostrado menos motivadora do que outras opções profissionais, isso acarretará falta de professores no futuro. Diante da escassez de candidatos, alguns alunos acreditam que a profissão docente está fadada ao desaparecimento.

"Hoje em dia, quase ninguém quer ser professor. Nossos pais não querem que nós sejamos professores, mas eles querem que existam bons professores. Mas como é que vai existir bons professores se meu pai não quer, o dela não quer, não quer...? Como é que vai ter professores? Aí fica difícil, não é?"
(Cláudia, escola pública, Feira de Santana)

De um modo ou de outro, em vários dos grupos surgiu a discussão sobre a importância de se construir um referencial positivo do professor - sob pena de faltar mão de obra docente no país, o que, em geral, segundo os estudantes, deve ser responsabilidade do governo. O jovem identifica que, numa sociedade em que as oportunidades no mercado de trabalho foram ampliadas, vêm diminuindo a atratividade da docência como possibilidade de estabilidade financeira e reconhecimento social.

Para finalizar, cabe destacar que, neste estudo, também se observou a tendência de mudança de perfil dos que buscam a profissão docente, como retratado anteriormente. A esse respeito questiona-se: A escolha pela docência, por jovens das classes C e D, é realmente uma opção? Ou é uma opção por descarte, quase uma desistência do que esse jovem realmente gostaria de fazer? Há uma forte tendência de considerar que a escolha se dê por descarte, pelo fato de a carreira poder ser construída por se tratar de cursos baratos, aligeirados, de fácil acesso e, portanto, viáveis não só do ponto de vista econômico, mas também das exigências de natureza acadêmica. É preciso ponderar, porém, que, para muitos jovens das classes populares, a docência se apresenta como uma escolha possível, interessante, e, desse modo, não se trata simplesmente de uma fuga, de uma opção por descarte. Para muitas pessoas que hoje ingressam nos cursos de Licenciatura, o Magistério aparece como possibilidade real e concreta, que vai além da concepção do professor "dador" de aulas. Nesse caso, leva-se em conta a perspectiva de exercer uma atividade profissional que se apresenta com possibilidades de contribuir para a transformação da realidade.

Seja como for, é urgente o desenvolvimento de políticas que tenham como prioridade não só a valorização do Magistério, visando a evitar o declínio da profissão docente, mas também a assistência efetiva aos que optam pela docência, em seu desenvolvimento profissional.

Principais proposições para políticas públicas em relação à atratividade da
carreira docente


Das análises procedidas e das discussões ocorridas no painel, com os especialistas convidados, pode-se chegar a algumas proposições que poderiam contribuir para alterar o quadro de desvalorização social dos professores da escola básica e da pouca atratividade associada a essa carreira. A sociedade brasileira valoriza, no plano discursivo, a importância da educação, mas não há ainda práticas efetivas que decorram da necessidade urgente, prioritária, atribuídas ao tema. Portanto, a educação tem de se tornar objeto de políticas incisivas por parte do poder público e de ações diretivas capitaneadas por organizações civis e sindicatos. Diante disso, sugerem-se aqui dois conjuntos de proposições, cada um deles composto de vários subtemas.

I. Este primeiro conjunto de proposições diz respeito ao que se poderia denominar dimensão cultural relacionada à docência, envolvendo as representações sociais presentes no imaginário brasileiro:

- Necessidade de intervenções midiáticas e outros movimentos que resgatem no imaginário social a valorização do professor e do ensino público;

- Desenvolvimento intrauniversidades de maior valorização dos cursos de Licenciatura e seu fortalecimento, bem como atribuição de maior prestígio a esses cursos, com valorização do papel do ensino e da educação básica para o país;

- Realização e valorização pública de ações e políticas que mostrem que os anos iniciais de ensino não se restringem a "cuidar", mas constituem um processo de educar, o que requer preparo adequado do profissional que trabalha com as crianças;

- Definição urgente e mais clara a respeito do conhecimento específico da docência, de modo que se combata a ideia de que "qualquer um pode ser professor" ou de que é preciso apenas ter "dom" para exercer a profissão. Sabe-se que o conhecimento específico é de fato um dos aspectos definidores do valor de uma profissão;

- Implementação de políticas públicas e formação de opinião que incentivem a atuação masculina na profissão. Embora o cuidado também esteja presente nas características da docência, isso não significa que, por isso, ela deva ser exercida majoritariamente por mulheres.

II. O segundo conjunto de proposições refere-se a mudanças de ordem estrutural e institucional que poderiam concorrer para o fortalecimento da consideração do professor como um profissional com valor social ressaltado. Entre elas, destacam-se:

- Implementação de políticas que possibilitem maior participação dos professores no plano de desenvolvimento de carreira e nos processos decisórios. Os tomadores de decisão devem confiar nos docentes, pois estes precisam ser reconhecidos como autores do seu fazer;

- Necessidade de a carreira docente deixar de ser burocrática, para tornar-
se profissionalizante desde o início. Trata-se de contemplar o reconhecimento social da especificidade da função associada à atividade; o saber específico indispensável ao desenvolvimento da atividade e sua natureza; o poder de decisão sobre a ação desenvolvida e autonomia em seu exercício; e o pertencimento a um corpo coletivo que partilha, regula e defende o saber necessário, o exercício da função e o acesso a ela;

- Novas reflexões e ações sobre a carreira docente. Quando um professor progride na carreira, ele sai da sala de aula. Ou seja, a desvalorização do professor também se manifesta no fato de que, para ser reconhecido, ele deixa de ensinar para se tornar coordenador, diretor, formador de professor etc. É preciso, portanto, criar um plano de progressão de carreira que não tire o professor da sala de aula e que valorize, muito, sua permanência nela;

- Melhorias no ambiente escolar, incluídas aí as condições de trabalho dos professores e seus salários. A vivência positiva na escola, embora não garanta a atratividade do aluno pela carreira docente, pode fazer com que ele pense de modo mais efetivo nessa possibilidade. Para que os alunos tenham boas experiências no espaço escolar, é preciso desenvolver melhor o ambiente escolar;

- Ações que ajudem a propiciar ambiência cultural mais produtiva. A boa experiência na escola depende da relação do aluno com o conhecimento, com a rede social (professores e colegas) e com o lugar da escola na sociedade. O clima e a cultura de cada escola, revitalizados, poderiam resultar em atratividade para a docência;

- Implementação de políticas de formação continuada. Conhecer a escola também é importante para se pensar uma formação adequada ao futuro professor e ao professor real que nela atua. Sabe-se que a escola de hoje não tem o mesmo lugar que ocupava no início do século XX. Seu prestígio social está alterado, assim como a autoridade do professor. Existe medo de "ser" e "estar" professor na escola de hoje, especialmente nas periferias. Daí a importância de políticas de formação continuada com enfoque nas necessidades dos professores, associadas às condições e demandas das comunidades a que atendem;

- Estruturação da formação de professores em um centro, faculdade ou instituto próprio, à semelhança das faculdades de Direito, Engenharia, Medicina etc. Isto contribuiria para melhor equacionamento dos currículos formadores e maior visibilidade social do perfil profissional dos professores da educação básica;

- Novos conteúdos e estratégias de formação nos cursos de Licenciatura, implementando desenhos curriculares capazes de possibilitar outras formas de organizar as situações de ensino, promovendo a intersecção entre as disciplinas, e das disciplinas com a prática, e maior interação entre os docentes formadores de professores;

- Atuação junto aos professores formadores de professores para desenvolver consciência mais efetiva relativa a seu papel nessa formação e ao impacto disso na educação das novas gerações;

- Implementação de parcerias entre universidades e escolas, para que as práticas profissionais sejam privilegiadas na formação. Os estudos que investigam a prática podem também contribuir para o desenvolvimento de formas de atuar que valorizem o professor e, por consequência, a carreira. A universidade tem, pois, o papel de ajudar as escolas no processo de mudança;

- Formas de inclusão de universidades, e outras instituições formadoras de professores, na responsabilização pela ampliação do universo cultural do aluno que busca a carreira docente. Sabe-se que o perfil desse aluno tem lacunas de todos os tipos. A carreira docente mostrou-se mais atraente para jovens de um segmento social desfavorecido, o que, muitas vezes, implica escolarização precária. Esse é um aspecto que deve ser enfrentado pelos cursos de formação inicial de professores, e pelas políticas que os orientam. Ou seja, temos de trilhar o caminho inverso ao que está sendo realizado: fortalecimento dos currículos formativos, e não aligeiramento e encurtamento da formação. Iniciativa proveitosa seria investir em bolsas para licenciandos (com monitoramento adequado) em licenciaturas cujos projetos de formação foram avaliados como bons ou ótimos;

- Investigação das reais características da escola privada, excessivamente valorizada pelos alunos. A análise do ensino particular pode oferecer indícios sobre quais características geram fatores capazes de aumentar a atratividade pela carreira docente.

Bernardete A. Gatti | Gisela Lobo B. P. Tartuce | Marina M. R. Nunes | Patrícia C. Albieri de Almeida
Fundação Carlos Chagas

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