quinta-feira, 28 de julho de 2011

Coordenador pedagógico: um profissional em busca de identidade

Pesquisa da FVC conclui que a formação de professores começa a ser o foco da atuação do coordenador, mas ele ainda sofre com a falta de apoio




Foto: Omar Paixão

Em algumas redes de ensino, ele é chamado de orientador, supervisor ou, simplesmente, pedagogo. Em outras, de coordenador pedagógico, que é como GESTÃO ESCOLAR sempre se refere ao profissional responsável pela formação da equipe docente nas escolas. Nas unidades que contam com sua presença, ele faz parte da equipe gestora e é o braço direito do diretor. Num passado não muito remoto, essa figura nem sequer existia. Começou a aparecer nos quadros das Secretarias de Educação quando os responsáveis pelas políticas públicas perceberam que a aprendizagem dos alunos depende diretamente da maneira como o professor ensina.

Diante desse cenário, a Fundação Victor Civita (FVC) decidiu descobrir quem é e o que pensa esse personagem relativamente novo no cenário educacional brasileiro, escolhendo-o como tema de uma pesquisa intitulada O Coordenador Pedagógico e a Formação Continuada de Professores: Intenções, Tensões e Contradições. Realizado pela Fundação Carlos Chagas (FCC), sob a supervisão de Cláudia Davis, o estudo teve a coordenação de Vera Maria Nigro de Souza Placco e de Laurinda Ramalho de Almeida, ambas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e de Vera Lúcia Trevisan de Souza, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Graças a ela, fizemos esta edição especial, com reportagens e seções tratando de temas relativos à coordenação pedagógica.

Uma das principais conclusões da pesquisa é que, apesar de ser um educador com experiência, inclusive na função (saiba mais sobre o perfil desse profissional no quadro abaixo), ainda lhe faltam identidade e segurança para realizar um bom trabalho. Ele se sente muito importante no processo educacional, mas não sabe ao certo como agir na escola frente às demandas e mostra isso por meio de algumas contradições: ao mesmo tempo em que afirma que sua atuação pode contribuir para o aprendizado dos alunos e para a melhoria do trabalho dos professores, não percebe quanto isso faz diferença nos resultados finais da aprendizagem (veja mais no quadro da próxima página). "A identidade profissional se constrói nas relações de trabalho. Ela se constitui na soma da imagem que o profissional tem de si mesmo, das tarefas que toma para si no dia a dia e das expectativas que as outras pessoas com as quais se relaciona têm acerca de seu desempenho", afirma Vera Placco.
Quem são os coordenadores pedagógicos no Brasil
Um resumo das características do profissional que atua nessa função

90% são mulheres

88% já deram aula na Educação Básica

76% têm entre 36 e 55 anos

A maioria tem mais de 5 anos de experiência na função


Quem são os coordenadores pedagógicos no Brasil




Dia a dia atribulado e legislação confusa contribuem para atuação sem foco

Analisando cada um dos elementos dessa somatória, percebe-se que, no quesito tarefas, a rotina desse educador é uma bagunça: 72% costumam acompanhar a entrada e a saída dos alunos diariamente, 55% conferem se as classes estão organizadas e limpas, 50% atendem todos os dias telefonemas de pais e de outras pessoas que procuram a escola (e 70% acreditam que isso é adequado) e 19% assumem alguma classe pelo menos uma vez por semana quando falta um professor. No meio disso tudo, temos ainda 9% que admitem não desempenhar nenhuma atividade regular relativa à formação de professores e 26% que se ressentem por não dispor de tempo suficiente para se dedicar à elaboração ou à revisão periódica do projeto político-pedagógico (PPP).

Quando se analisa a expectativa que a direção, a equipe docente e a comunidade têm dele, percebe-se a diversidade de posições: os diretores esperam que o coordenador pedagógico cumpra bem todas as determinações vindas da Secretaria de Educação; os professores, que ela seja um apoio nas dificuldades em sala de aula; e os pais, por sua vez, anseiam ser bem atendidos - ao mesmo tempo em que não sabem muito bem quais são suas funções (na verdade, o atendimento aos pais deveria ser feito pelo orientador educacional, quando há esse profissional na escola, ou pelo diretor, em horários previamente definidos).

Há também as atribuições legais, que poderiam ajudar na definição do papel do coordenador. Contudo, pela leitura atenta feita pelos pesquisadores das regulamentações de cinco Secretarias Estaduais, elas só acrescentam mais confusão ao quadro: das 256 funções listadas para o cargo, apenas 20% são explicitamente formativas.
Como os coordenadores pedagógicos se veem.
Porcentagem de profissionais que se se acham importantes para:

A aprendizagem dos alunos: 95%

O trabalho pedagógico dos professores: 100%


Porém, quando se compara com outros agentes, ele se coloca na sexta posição em importância:



Como os coordenadores pedagógicos se veem




    Problemas envolvem desde infraestrutura até falta de tempo


    Ao ser indagado sobre as questões que mais atrapalham sua rotina, o coordenador lista uma série delas. A infraestrutura é a que mais incomoda e o excesso de atribuições é, muitas vezes, citado como justificativa para não fazer o que deve - a formação de professores.

    Dificuldades com a equipe? Sim, elas existem para 31% dos entrevistados, que não sabem como fazer o professor desmotivado trabalhar, não conseguem ajudá-lo a cumprir as metas e ainda afirmam não saber como se firmar como líder dos docentes e exercer sua autoridade perante os colegas.

    É claro que todos esses dilemas poderiam ser resolvidos se o coordenador pedagógico tivesse uma boa formação para exercer o cargo: 96% garantem que a graduação foi boa ou excelente e, em média, os entrevistados já frequentaram 6,3 cursos específicos (21% em gestão escolar e 18% em outras áreas do conhecimento). Fica a dúvida: se esse profissional, segundo a própria avaliação, teve ou está tendo orientação para executar bem seu trabalho, por que não consegue focar a sua atuação na principal atribuição? A conclusão da pesquisa é que a falta de identidade profissional, já citada no início, e o fato de ser tão solicitado, por todos, para fazer de tudo na escola o levam a sentir-se importante, mas sem perceber o quanto isso o afasta de ser um bom formador de professores.
    Nas leis, muitas tarefas
    Nada menos do que 256 atribuições para o coordenador pedagógico foram encontradas nos regimentos de cinco Secretarias Estaduais. Dessas:


    Nas leis, muitas tarefas




    Supervisão insuficiente da rede sobre o trabalho do formador

    Outro estudo realizado pela FVC também no ano passado ajuda a entender melhor essa realidade do coordenador. Exclusivamente qualitativo, ele procurou conhecer as práticas formativas das redes públicas de ensino. A pesquisa, denominada A Formação Continuada de Professores no Brasil: Uma Análise das Modalidades e Práticas, obteve respostas de 19 Secretarias de Educação - seis estaduais e 13 municipais - das cinco regiões do país. Em todos os casos, foram feitas entrevistas com o secretário de Educação (ou seu representante), com o coordenador da formação continuada na rede e com o responsável por um projeto em andamento. Concluiu-se que, apesar de todos os esforços para que a formação em serviço ocorra com mais frequência e seja focada na necessidade dos professores em sala de aula, há a carência de programas voltados especificamente para aprimorar a prática do coordenador pedagógico.

    "Falta suporte adequado para que ele possa efetivamente exercer o papel de articulador das ações formativas de caráter colaborativo na escola", afirma Cláudia Davis, que, com Marina Muniz Rossa Nunes e Patrícia Cristina Albieri de Almeida, todas da FCC, também supervisionou essa pesquisa. Uma das secretarias que empreendeu esforços - em termos de lei e de infraestrurura - para valorizar a função do coordenador foi a de Governador Valadares, em Minas Gerais (como mostra a reportagem).

    Para completar esta edição especial sobre o coordenador pedagógico, encomendamos à educadora uruguaia Denise Vaillant um artigo, no qual ela discorre sobre a formação continuada de professores na América Latina - que pode ajudar a traçar um panorama do que dá certo e do que deixa a desejar em termos de políticas públicas nessa área.

    Esperamos que esse material contribua para a escola discutir internamente como aproveitar melhor a figura do coordenador pedagógico a fim de melhorar a qualidade da prática dos professores. E ainda para que as redes estaduais e municipais, com os dados colhidos na pesquisa, planejem maneiras de atender melhor esse profissional, que cada vez mais se mostra peça-chave na aprendizagem dos alunos.
    Metodologia da pesquisa
    O estudo O Coordenador Pedagógico e a Formação dos Professores: Intenções, Tensões e Contradições, que contou com o apoio do Itaú BBA, do Instituto Unibanco e da Fundação Itaú Social, foi feito em 2010 e 2011. Na fase quantitativa, os pesquisadores entrevistaram por telefone 400 coordenadores de 13 capitais brasileiras. Já a qualitativa envolveu entrevistas pessoais mais aprofundadas com 20 coordenadores das cinco regiões do país, os diretores das unidades de ensino onde estão locados e 40 professores.



    Paola Gentile (pagentile@abril.com.br)



    Comentários (16)


    Elena Roque de Souza Almeida - Postado em 27/07/2011 10:32:32


    Este tema é justamente o escolhido para minha tese de Mestrado... A escolha do objeto desta pesquisa foi baseada em minha experiência como professora de ¿séries iniciais¿, de primeiro ciclo, de segundo ciclo e como coordenadora pedagógica desde o meu primeiro trabalho até o atual, no CEFAPRO/Cbá MT com formação continuada na modalidade presencial. Devido a minha insatisfação em perceber que apesar das várias iniciativas do Governo Federal, em parceria com estados e municípios, com a implantação de programas voltados para a formação continuada, numa tentativa de reencantar a educação no país, pelas possibilidades de adequar o processo educacional, ainda encontramos um grande número de coordenadores pedagógicos da atualidade, desmotivados com seu papel ao vivenciar os desafios da função, pela responsabilidade de construir um ambiente de aprendizagem significativa, através de seu envolvimento no processo educativo frente à formação continuada dos professores e à qualidade de ensino, quando entendemos que o educar e o aprender se consolidam a partir da integração dos conhecimentos teóricos com a prática e da estreita relação de afetividade entre os diferentes sujeitos sendo de competência da coordenação pedagógica, mediar e fazer acontecer esse processo. Essa pesquisa mostrou que a causa maior da desmotivação dos coordenadores pedagógicos é possuir uma fundamentação teórica insuficiente e desatualizada para atender as práticas da atualidade. Nessa perspectiva, por estar envolvida no projeto de formação continuada, e também por fazer parte das minhas metas pessoal e de profissional apaixonada pelo processo educacional, senti-me estimulada em contribuir para que as escolas públicas estaduais de Mato Grosso, envolvendo especificamente os coordenadores pedagógicos da atualidade neste projeto de formação continuada na tentativa de motivá-los à atualização e inovação dos seus referenciais teóricos que podem lhes dar subsídios que sustentam o domínio em estabelecer diretrizes e ações que definem o seu trabalho educacional no desempenho das atribuições de sua função. E com isso, evitar que o papel de coordenador pedagógico se perca nas diferentes funções dentro da escola: delegado, diretor, secretária, assistente social, entre outras. O coordenador motivado ao seu papel, consegue coordenar ações pedagógicas capaz de assegurar que o professor seja o titular da sua turma, que os pais acompanhem com compromisso a vida escolar dos filhos, enfim, coordena um ensino de qualidade.


    JOSÉ TADEU NERIS MENDES - Postado em 18/07/2011 20:19:21


    O próprio tema afirma algo que não existe: a condição de 'profissional' do coordenador pedagógico. Não existe um código de conduta ética do Coordenador Pedagógico, tampouco do professor. Não existem conselhos representativos, que definam a função docente, nem do Coordenador Pedagógico. Acabam fazendo de tudo um pouco: delegado, psicólogo, pai, mãe, investigador, orientador de opção sexual... e a função decente definida. Vejamos: um contador em qualquer organização (pública ou privada) sabe o que deve e não pode fazer; um médico, idem; o engenheiro, também. E o professor, quem define o papel do professor? Outra coisa: o sindicato não tem competência para definir essa função. Bem, partindo do princípio que quem define a função docente é o Estado ou o patrão da escola particular. Assim, tanto o Coordenador Pedagógico, quanto o professor, não tem satus de profissional. Todos dizem o que devem fazer, especialmente as mídias. E a cada autor que cria uma "nova forma para educar", como cordeiros seguem a trilha do novo pensador como se fosse o inventor da roda, pois como não possuem um órgão de representatividade seguem o "grande líder", sem discussão. Lamentável, para quem cobra a ausência do pensamento crítico dos outros.


    FERNANDA BINDACO DA SILVA ASTORI - Postado em 18/07/2011 18:40:30


    Li toda a revista Nova Escola, Ed. Especial Gestão Escolar, jun.2011 que analisa o perfil e as condições de trabalho dos Coordenadores Pedagógicos nas escolas hoje. Li também a Edição Especial Gestão Escolar, Dossiê Coordenador Pedagógico, que aborda o tema. Sou Coordenadora Pedagógica na rede municipal de ensino há 9 anos. As duas edições abordaram com muita precisão e qualidade o tema, refletindo a realidade que encontramos nas redes de ensino hoje. É isso mesmo! Senti todas essas dificuldades quando assumi a coordenação e sei que ainda está longe de superarmos tantos obstáculos nessa caminhada. E necessário rever as políticas públicas e tornar mais claros os seus objetivos e metas no que se refere à área pedagógica, porque de nada adianta investimentos em infraestrutura e equipamentos se o material humano não é qualificado para trabalhar com a demanda que temos nas escolas públicas atualmente. É necessário mudar a legislação que determina tantas atribuições ao Coordenador Pedagógico, dificultando o trabalho junto ao seu par, o professor. Na verdade essa seria a tarefa mais prazerosa dentre as atribuições do Coordenador Pedagógico: acompanhar o planejamento, a execução e avaliação da proposta pedagógica, em suas diversas perspectivas, até atingir seu objetivo primordial que é de elevar a qualidade do ensino e a aprendizagem dos alunos. Na minha rede de ensino, fomos orientados a não assumirmos tarefas da área administrativa, mas no âmbito escolar a coisa é diferente. As pessoas nos vêem como um faz tudo e, muitas vezes, nos sentimos como um faz nada. O que planejamos fazer em um dia, só conseguimos realizar com uma semana e olhe lá. Isso nos faz sentir, muitas vezes, desmotivados para apoiarmos os professores nas mudanças necessárias ao contexto da sala de aula. É muito importante discutirmos questões relacionadas à atuação da Coordenação Pedagógica nas escolas a fim de que esse profissional seja reconhecido como elemento integrador do processo de ensino e aprendizagem e de que se deixe nítido o perfil deste profissional para que sejam redefinidas suas atribuições legalmente. Assim o profissional ganha identidade e todos ganham, principalmente os alunos. Parabéns à equipe da revista.


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    Publicado em NOVA ESCOLA GESTÃO ESCOLAR, Edição 014, Junho/Julho 2011, com o título Um profissional em busca de identidade

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