Eleição rima com educação. A cada quatro anos todos os candidatos a cargos eletivos se arvoram a defensores do sistema educacional, de edifícios bem construídos, de horário integral para todos, de qualificação dos professores, de livros de qualidade etc. e tal. O otimista diria que já é um avanço. Os fatos vêm provando que não. Está fora de dúvida que universalização e qualidade não têm caminhado juntas no Brasil. Quando a escola pública era quase só da classe média, qualificava alunos para as melhores universidades brasileiras. Pelo então Colégio do Estado de Sorocaba, interior de São Paulo, onde estudei, passaram garotos e meninas que são, atualmente, intelectuais, juízes, promotores, educadores, empresários, executivos, médicos, engenheiros, todos muito bem colocados e reconhecidos pela educação recebida. Alguns de nossos professores, como João Tortello, de português, e Ruy Nunes, de filosofia, eram mestres excepcionais, dedicados à pesquisa e à atividade docente. Nas condições de trabalho, salário e reconhecimento social de hoje, são poucos os professores que dão conta da difícil tarefa de qualificar adequadamente os jovens. E mitos repetidos por políticos não ajudam a encaminhar a questão. Vejamos alguns deles:
Mito: os livros estão melhores. Com livros melhores a educação fica cada vez melhor. Verdade: quando o programa da universalização do livro didático começou, bons educadores preveniram ministros da educação sobre um perigo: bons mestres conseguem dar boas aulas com um livro ruim, mas professores inadequadamente formados não conseguem dar boas aulas sequer com um bom livro. O resultado é que muitos prefeitos não utilizam nenhum livro didático, recebido gratuitamente. Eles compram (gastando fortunas) para suas cidades sistemas de ensino, material com aulas prontas, módulos iguais para todos (como se não houvesse especificidade entre crianças de diferentes regiões do país), respostas únicas, exercícios determinados, tudo ao contrário da orientação (correta) que o MEC tem na avaliação dos seus livros. Isso quer dizer que muitos municípios não acham que seus professores deem conta de usar um livro didático de qualidade, o que é assustador.
Mito: os alunos são mais informados, usam a internet, assistem à TV, recebem muito mais estímulos. Verdade: o hábito de “pesquisar” na internet não teria nada de errado se o aluno tivesse condições de discernir fontes confiáveis de fontes não confiáveis. Frequentemente pega um rabo de notícia de TV e apresenta ao professor como verdade sacramentada, e sua investigação pela internet restringe-se a achar seu tema, selecionar uma passagem, teclar Ctrl + C para copiar e colar no seu “trabalho” com as teclas Ctrl + V. Comumente, nem se dá ao trabalho de ler o que copiou. Muito menos acha necessário fazer uma crítica das fontes utilizadas (“peguei na internet”, é o que diz). Nem por sonho se poderia esperar que diferentes “fontes” utilizadas no trabalho tivessem um mínimo de coesão, quanto mais de coerência. O aluno talvez tenha mais informação do que há trinta anos, mas não sabe como transformar isso em conhecimento. Só um professor bem preparado consegue ensinar ao aluno como dar esse passo.
Mito: o país é muito grande e desigual. Não há como dar um grande salto qualitativo. Verdade: nenhum país conseguiu dar um grande passo sem investir pesada e criativamente na educação. Todas as importantes revoluções educacionais ocorridas no planeta demandaram imaginação criadora, competência administrativa e, principalmente, vontade política. Nações de diferentes dimensões, modelos econômicos, regimes políticos e tradição cultural como Japão, Alemanha, Rússia, Coreia, Cuba, são exemplos que merecem ser estudados por aqueles que desejam estabelecer nosso sistema educacional como um espaço de oportunidades, não como reprodutor de desigualdades. Há que se fazer um mutirão educacional que estimule os professores a se qualificarem. Todas as universidades públicas (assim como as particulares que recebem verbas governamentais de qualquer espécie) que possuem cursos de licenciatura precisam ser incorporadas no processo. Professores e alunos de pós-graduação podem ser estimulados a dar uma parte do seu tempo em aulas para os professores do ensino fundamental e médio do Brasil todo, a partir de uma orientação segura (e apolítica, é claro) que sairia dos órgãos competentes e de uma discussão ampla (mas rápida) feita com os educadores interessados.
Isso é possível? Mais que isso é necessário. É responsabilidade dos dirigentes e políticos impedir que o Brasil breque seu desenvolvimento por falta de gente qualificada, o que pode ocorrer se não levarmos a educação a sério.
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* Historiador, professor titular aposentado da Unicamp, diretor da Editora Contexto (wwwa.jaimepinsky.com.br)Fonte: Correio Braziliense online, 19/09/2010
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