segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A VIDA E A ESCOLA

A VIDA E A ESCOLA
(Uma reflexão)



 Ricardo Machado

                        Pus-me a refletir sobre a escola. Para mim, sujeito masculino, ocidental, latino-americano, que nasci em fins do século XX, a palavra "escola" sempre esteve muito presente, e é deste lugar que ponho a olhar e fazer as reflexões. Pensamentos que são construídos pelas minhas experiências individuais, e experiências de outros, que me contaram e que agora também fazem parte de mim. Estes outros, é justo ressaltar, são diferentes de mim, com uma outra história e desejos, porém não tão diferentes, pois ainda não fui capaz de conhecer valores que consigam por em questão o solo que pisamos.

                      E para nós, seres ocidentais com forte influência na formação histórica européia, achamos que a escola é algo importante. Achamos que ela é peça fundamental para a formação de conhecimentos e valores que norteiam nossa civilização, ou seja, através dos conteúdos programados abriremos as portas do conhecimento universal. 

                      Não é de hoje que os homens ensinam para as futuras gerações o que lhes é importante. O que vai variar é justamente o que lhes é importante, e por isso como fazer com que as gerações vindouras aprendam. Por isso, dificilmente entenderia a resposta dos homens que habitavam as Américas antes dos europeus se perguntássemos: qual é a importância da escola para aquele povo? É provável que as artes da pesca, da caça, do ócio e da liberdade não eram transmitidas em quatro paredes, com carteiras alinhadas e quadro negro. Mas não é disto que quero falar, pois estes homens já foram vencidos, estes homens apenas sobrevivem em uma cultura material e simbólica que não os pertence, que não os dá sentido.

                      A escola que temos hoje, é fruto (pelo menos uma boa parte) das idéias de homens de um outro lugar: homens que venceram, e que hoje me condicionam a falar somente a partir dos seus olhos. Foi a racionalidade do período da modernidade que sistematizou os saberes e estabeleceu as verdades científicas. Foi neste período que história virou história, que a sociologia virou sociologia, as humanidades viraram ciências. Foi quando os homens puderam ser objeto de ciência, e que através do empírico e racional que levariam ao conhecimento das verdades universais. E para que se universalize foi necessário a criação do espaço escolar, o lugar onde corpos dóceis observariam inquestionavelmente os saberes. Mas como transformar estas coisas em coisas importantes? Basta dizer para as pessoas que isto é importante e sem isto não haverá possibilidade de ascensão social. Foi preciso dizer que a passagem de dominado para dominador se dará somente através do funil escolar, com suas verdades, sua moral, sua disciplina. Pois, para estes homens racionais da modernidade, a palavra mais importante é o "progresso", e assim como o mundo teria evoluído linearmente, as cabeças pensantes também: nasceriam vazios como um coco e cotidianamente seriam preenchidos com as verdades universais. E se acaso alguns destes não forem capazes de se adaptar, ou não quiserem se adaptar, se tornarão "o burro", "aquele que não serve", "o fracassado", "o preguiçoso", "o idiota". 

                   Cria-se então, este sujeito um tanto incomum: o professor. Que com firmeza na voz e no olhar, com sua segurança no andar, seria capaz de preencher de conteúdo aqueles sujeitos que sedentos de conhecimentos se apresentam como páginas de um livro em branco. Este semi-deus, chamado professor, teria a responsabilidade de escrever e preencher este livro.
Na escola apesar da hierarquia ser reforçada a todos os instantes, através dos autoritarismos do professor; para os alunos a escola seria sinônimo de igualdade. Igualdade sentida nas carteiras alinhadas, na uniformização do uniforme, na uniformização do pensamento. Uma igualdade tão gélida e triste, que toma a proporção da frieza dos altos muros cinza que cercam a escola.

                 A escola tem sido um dos lugares que não levam em consideração as diferenças culturais, de gênero, de classe... dos indivíduos. Coloca-se na possibilidade de promover a igualdade, no entanto acaba perpetuando a naturalização da exclusão, uma vez que não reconhece as desigualdades sociais que a sociedade contemporânea nos impõe. Assim, os sujeitos que já são marginalizados em outras estruturas sociais, influenciados pelo discurso de que a escola é sinônimo de ascensão social, procuram na escola um lugar de consolo para suas frustrações. Mas o que encontram é outra frustração. Encontram uma instituição frustrada por não conseguir reavaliar seu modelo. Encontram profissionais frustrados que a cada dia vendem suas utopias a preço de banana. Encontram uma pedagogia frustrada, pois se baseia em um mundo autoritário, alienante e disciplinador.

               E depois de tudo isto o que nos resta? Em momento algum quero que entendam  que     sou contra a escola. Pelo contrário, como já havia afirmado, sou um ocidental, latino-americano, nascido no final do século XX, e isto me impede de pensar em outro lugar que não seja a escola. Porém, sem dúvida alguma, isto não me impede de querer e lutar por uma escola que nos ajude a voar, que seja um espaço de sociabilidade fundado em valores como a solidariedade e a coletividade. Vou lutar para que as escolas não sejam gaiolas. Porque as gaiolas nos tornam apáticos e estéreis.



RICARDO MACHADO:
Acadêmico de História na Universidade Regional de Blumenau. Foi pesquisador do Laboratório de História Oral da FURB e presidente do Diretório Central dos Estudantes nesta mesma Universidade.


Fonte:   http://www.viegasdacosta.hpg.ig.com.br/ricardovidaeescola.htm

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