Professor temporário é um "forasteiro" na escola, diz educadora
Para especialista da USP em formação de docentes, rotatividade anual deixa o temporário sem vínculos na comunidade escolar
Maria Isabel de Almeida diz que, ao aplicar prova em vez de concurso, SP não enfrenta o problema da precariedade desses profissionais
Maria Isabel de Almeida diz que, ao aplicar prova em vez de concurso, SP não enfrenta o problema da precariedade desses profissionais
Especialista em didática e na formação de professores, a docente Maria Isabel de Almeida, 54, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, acredita que o fato de 43% dos 230 mil professores da rede estadual de ensino de São Paulo serem contratados em caráter temporário traduz-se em graves prejuízos para os estudantes. "A escola deveria ser para o aluno, mas é esse lado que menos se leva em conta na hora de elaborar as políticas públicas de educação", diz ela.
"Lá pelos anos 1970, chamava-se o professor temporário de "precário". Mudou o nome, mas a precariedade ficou", afirma Maria Isabel. Para exemplificar, a docente cita a forma como os 100 mil professores não-efetivos "pegam" aulas. Funciona assim: todo início de ano, as classes que foram refugadas pelos professores efetivos (os que passaram em concurso) são distribuídas entre os temporários, segundo classificação feita por critérios de antiguidade e títulos. Como essa classificação muda de um ano para outro, a situação mais comum é a do professor temporário que raramente consegue "pegar" aulas na mesma escola.
"Desapareceu a figura do professor "da" escola estadual, aquele profissional que conhecia todos os alunos, acompanhava-os ao longo dos anos, sabia identificar os irmãos e familiares, a vizinhança, participava daquela comunidade. A rotatividade anual faz com que o professor esteja sempre na situação de "forasteiro". No início do ano, ele tem de começar do zero a conhecer aquele novo mundo", diz ela. "A situação piora porque o professor, para "inteirar" o orçamento, acaba "pegando" sobras de aulas em mais de uma escola. Ele dará seis aulas em uma, cinco em outra, três em outra.
Três comunidades diferentes para conhecer e trabalhar. E, no ano seguinte, começar de novo -sempre do zero", diz.
Marginalizados
A professora relata que os professores temporários acabam marginalizados nas escolas - tanto pelos alunos quanto pelos colegas efetivos. "Isso gera uma situação de esgarçamento da relação do professor com sua carreira. Professores mais bem formados não são atraídos para dar aulas; a classe média foge. Essas dezenas de milhares de vagas temporárias, portanto, serão preenchidas por indivíduos das classes populares sem outra opção profissional, como uma alternativa ao desemprego."
A docente da USP enfatiza que essa origem social dos professores poderia até ser um ponto favorável, caso houvesse investimento para efetivá-los, via concurso público, e valorizá-los. Mas não foi isso o que ocorreu, diz ela. A prova de conhecimentos específicos realizada em 17 de dezembro último e que a Secretaria da Educação pretendia incluir entre os critérios de classificação dos temporários "foi a demonstração cabal de que se preferiu por ora não enfrentar o problema básico da precariedade desses 100 mil profissionais".
"A tal prova conseguiria apenas classificar a fina flor do lúmpen-professorado. Alguém acredita que isso resolveria o drama de professores mal preparados, fragilizados, desmotivados?", pergunta.
Escrito por Simão Pedro Marinho
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